Auri

Para os agentes da lei, o principal nome da sucessão do prefeito Periquito distribuiu favores, deixou de agir quando era preciso e também interferiu em licitações

Apesar do processo da chamada operação Tra­to Feito ainda correr em segredo de justiça, o DIARINHO teve acesso às 2466 páginas da denúncia oferecida pelo ministério Público Estadual e que denunciou nada menos que 46 pessoas num esquemão de corrupção que supostamente rolava na prefeitura de Balneário Cam­boriú. O documento traz informações detalhadas de como aconteciam as falcatruas, segundo apuraram os agentes do grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Orga­nizado (Gaeco). Entre elas estão, em minúcias, as acu­sações contra o homem até então considerado o mais cotado para ser o sucessor do prefeito Edson Periquito (PMDB) na disputa eleitoral: o engenheiro Auri Pavoni.

Diferente de outros figurões da prefeitura e empre­sários ligados a empreiteiras que tinham contratos com a prefeitura, que acabaram presos em setembro do ano passado, contra Auri não pesam denúncias de desvio de dinheiro, achaques ou de recebimento de propina. O en­genheiro, que por três ocasiões assumiu a pasta de Pla­nejamento Urbano, foi indiciado por prevaricação (dei­xar de agir em favor próprio ou de outro), advocacia administrativa (o velho e bom jeitinho pra ajudar che­gados) e associação criminosa (até há algum tempo cha­mada de formação de quadrilha).

O próprio Auri admitiu ontem ao DIARINHO que era um dos cotados à sucessão de Periquito. “Pela posição que eu tava assumindo e até pelo trabalho que eu tava fazendo, é natural que alguém ventilasse que eu seria pré-candidato”, comentou. Mas, por conta do envolvi­mento na operação Trato Feito, qualquer pretensão po­lítica está temporariamente pendurada no cabide. “O meu primeiro objetivo é comprovar a inocência. Primei­ro quero limpar o meu nome. Provar que eu sou corre­to”, afirmou.

Forcinha pro Jorge Caseca

A denúncia – Em telefones gravados com permissão da Justiça, o empresário Jorge Caseca pede para que Auri Pavoni agilize o envio para a câmara de Vereadores de um projeto que prevê uma parceria público-privada (PPP) entre a prefeitura e a empresa TZT Engenharia e Planejamento. Somente com esse projeto, Caseca poderia construir o prédio para a Havan se instalar no terreno nos fundos dos bombeiros. Em contrapar­tida, daqui uns seis anos entregaria uma torre com 10 mil metros quadrados para a prefeitura instalar algumas secretarias muni­cipais. A prefeitura chegou a emitir o alvará para início da obra, que foi aprovada pelo conselho da Cidade. Mas como pintou denún­cias de que não houve aprovação da câmara, o alvará foi caçado. O próprio Auri ligou para Caseca dizendo que quer “desfazer o mal entendi­do” e o empresário exige que o projeto da PPP seja enviado com urgência aos vereadores. “Amanhã vai tá na câmara, tá bom?”, promete o secretário de Planejamento, que depois liga para o procurador da prefeitura e pede que agilizem o projeto. Além disso, mesmo com o alva­rá caçado, Jorge Caseca informa que os materiais para a obra estão chegan­do e máquinas estão esca­vando o local. Auri não teria agido para impedir isso.

• A defesa de Auri – “Nesse caso do Caseca a proposta partiu do con­selho da Cidade, que era para construir em parceria a ‘praça do cidadão’ (um lo­cal de prestação de serviços públicos para a população). Teve audiência pública, foi feita uma moção ao pre­feito pelos empresários da cidade de que o projeto era interessante, passou umas cinco vezes por análise do conselho da Cidade”, dispa­ra. No depoimento ao Ga­eco, admite que conversou com Caseca sobre agilizar o projeto de lei para aprova­ção da parceria público­-privada. “É crime? Pedir agilidade é crime? Qual­quer cidadão tem o direito de procurar um secretário e pedir agilidade”, diz o en­genheiro, ressaltando que o projeto era de interesse coletivo e que agia dessa forma com qualquer pessoa que o procurasse.

• Depoimento de Case­ca – O empresário disse ao Gaeco que antes de ser procurado para fazer a parceria com a prefeitura já tinha um pré-contrato para construir uma loja da Havan. Por isso, a loja foi incluída na ‘Praça do Cidadão’. O projeto, ressaltou, foi aprovado pelo conselho da Cidade e tinha as licenças da prefeitura. Como um vereador questionou que a proposta não passou pela câmara, então o alvará foi suspenso. Ele garante que a obra não continuou, apenas foram levados para o local materiais de concreto já pré-fabricados. Caseca admite que conversou com Auri para agilizar o projeto e que Auri teria lhe dito que não dependia dele e sim do departamento jurídico da câmara.

O terrenão, nos fundos dos bombeiros, pertence ao Caseca e tá no meio da polêmica

Entenda a Trato Feito

A operação Trato Feito estourou em 15 de setembro do ano passado. O objetivo principal foi desbaratar um esquemão de fraudes em licitações e propinas pagas a agentes públicos e funcionários da prefa de BC. Acabou indo mais longe. Na ocasião, 14 pessoas foram presas, entre secretários municipais, diretores da prefeitura, servidores públicos e empresários. Auri Pavoni não foi preso. Mas, por ordem da Justiça, foi obrigado a ser exonerado do cargo de secretário de Planejamento Urbano.

O processo, desde então, corre em segredo de Justiça.

Interferiu em licitação

A denúncia– Segundo o Gaeco, Auri tentou interferir numa licitação. Ele procurou Rui Dobner para contratar uma empresa para fazer a divulgação das reuniões do plano diretor. Tinha até o valor definido de antemão: entre R$ 110 mil e R$ 120 mil. Rui Dobner dis­se que teriam que fazer nova licitação e que demoraria pelo menos 45 dias. Sugeriu usar a empresa de mídia que a prefeitura já tinha contratado. Mas Auri queria algo para 15 dias e, por isso, propôs usar verba do gabi­nete do prefeito para fazer uma contratação.

• A defesade Auri – O argumento do ex-secretá­rio de Planejamento é que a comissão do conselho da Cidade que ajudou a montar o edital para contratar a empresa que organizou o debate do plano diretor esqueceu de prever as ações de divulgação. Ele so­mente soube disso duas semanas antes da primeira reunião comunitária. Por isso procurou Rui Dobner, que era o responsável pelas licitações na prefeitura. Auri afirma que foram até o prefeito e ficou decidido que usariam a empresa de comunicação que já tinha contrato com a prefeitura. “Eu não interferi em lici­tação nenhuma. Só tinha dúvida de como era preciso fazer e fui perguntar ao Rui”, justifica Auri.

Aviso à obra do supermercado

• A denúncia– Chegou denúncia na secre­taria de Planejamento Urbano que o Com­prefort estaria tocando uma obra sem alvará. Auri, além de não agir pra impedir que a obra continuasse, ainda ligou pra outro figurão da prefeitura pedindo para avisar um diretor do Comprefort que haveria o risco de embargo caso não pagasse a taxa do alvará, já que havia denúncia na secretaria.

• A defes ade Auri – Ao Gaeco afirmou que a obra acabou embargada e que só foi liberada depois do pagamento da taxa. Também confirmou que mandou avisar o dono do empreendimento que deveria fazer o pagamento da taxa. Ao DIARINHO disse que mandou um funcionário checar a denúncia e que mandou avisar um diretor do Comprefort que deveria resolver a situação senão haveria embargo. Segundo ele, havia um acordo para compensação de alguns problemas no projeto e o supermercado pagou a parcela para a reti­rada do alvará, mas não foi pegar o documen­to na prefeitura.

Agilidade na obra do hospital da Unimed

• A denúncia – A Unimed tá aumentando o hospital que tem na avenida do Estado Dalmo Vieira e construiu uma torre com dois andares a mais do que o pro­jeto aprovado. Teve que fazer um acordo com a prefeitura: deposi­tava R$ 719 mil pro fundo Muni­cipal da Saúde pra poder tocar a obra. O arquiteto Felipe Pavoni, filho de Auri, era contratado pela Unimed Litoral para fiscalizar o andamento da obra, que tava parada por falta de alvará. O mé­dico Umberto d’Ávila, vice-presi­dente da Unimed Litoral, e Auri Pavoni conversam por telefone pra agilizar a liberação do alvará. O secretário da prefeitura chega a cobrar de subordinados e da secretaria de Meio Ambiente a liberação de licenças pra tocar a coisa pra frente.

• A defesade Auri – Para o Gaeco o engenheiro confirma que conversou com o médico Umber­to d’Ávila, que pediu para ajuda nos trâmites de liberação. Ele admite que ligou para subalter­nos e a colega da secretaria de Meio Ambiente para ver o que acontecia. No entanto, argumen­to, a liberação desse processo foi uma das mais demoradas. Cerca de um ano.

O depoimento do médico– Umberto d´Ávila confirmou ao Gaeco que pediu para Auri agi­lidade na aprovação do projeto e da liberação do alvará. Argu­mentou que havia prazos rela­cionados ao financiamento com o BNDES. Também confirmou que o filho do ex-secretário de Planejamento foi contratado pela Unimed Litoral e ganhava entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por mês para fiscalizar a obra.

O depoimento do filho de Auri – Felipe Pavoni admitiu que sua empresa, a Primorytec Engenharia, foi contratada para fiscalizar a obra. Sabia que havia problemas na aprovação do projeto, mas jurou que não se envolveu na libera­ção da documentação. Segundo ele, foi preciso um ano para regularizar a obra, que chegou a ser embargada.

Mais jeitinhos

• Outras denúncias – Auri teria feito outros pe­didos para ajudar pessoas que o procuraram. Num deles, teria pedido para a secretaria de Obras tirar o entulho que estava numa calçada e prejudicava o acesso de uma cadeirante. Comentou, ao telefone, que teria que ser uma ação isolada e não um trabalho dos mutirões da secretaria de Obras, pois senão não teria como tirar dividendos políticos disso.

• A defesa de Auri – Ele confirma que fez o pedido para a secretaria de Obras e que o consi­dera lícito. Para o Gaeco disse que brincou sobre “faturar politicamente” com a limpeza da calçada. Ao DIARINHO, admitiu que fez o comentário. “O meu pecado foi ter falado e errei em dizer que tinha que tirar vantagem política. Mas não vejo crime nenhum”, disse. Para o engenheiro, não há nenhum problema em atender solicitações dos contribuintes. Pelo contrá­rio. “Uma das obrigações do secretário é atender bem os municípes. E isso eu fazia!”, ponderou, con­cluindo: “Tu é penalizado se tu queres agilizar o serviço da população? Do que eu fiz não tem nada de prejuízo ao erário, não tem desvio de dinheiro público, não tem propina, não tem nada”.

Auri informa que na segunda-feira desta sema­na apresentou à Justiça a defesa prévia no processo. Ele também diz que já pediu, por duas vezes, que as escutas telefôni­cas onde aparece sejam retiradas do “sigilo” do processo e que todas as pessoas possam ter acesso a elas. ““Eu estou passando por corrupto e isso não tá certo. No meu lugar, qualquer bom gestor faria o que eu fiz”, argumenta.

Fonte: Diarinho