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O Jogo da Baleia Azul

Médica Psiquiatra formada pela UFRGS, com Residência em Psiquiatria pela UFRGS/HCPA e Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica pela UFRGS/CELG. Cooperada da Unimed Chapecó e Associada da APRS e da ABEAD.

 

Segundo estimativas recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) tem-se que ocorre um suicídio, em algum lugar do planeta, a cada 45 segundos, ou seja, um contingente de mais de duas mil pessoas que cometem suicídio diariamente. É a segunda causa mais frequente de morte entre os que têm 19 e 25 anos de idade. O total global de mortes por suicídio supera a soma de todas as mortes causadas por homicídios, acidentes de transporte, guerras e conflitos civis. No Brasil o coeficiente médio de mortalidade por suicídio (número de suicídios para cada 100 mil habitantes ao longo do ano) no período de 2004 a 2010 foi de 5,7 e de 5,8 em 2012, segundo a OMS. Essa taxa vem crescendo.

Dados do Mapa da Violência do Ministério da Saúde em nosso país indicam crescimento das taxas de suicídio, entre 2002 e 2012, de 44% dos 10 aos 14 anos e de 33,5% dos 15 aos 19 anos.

O suicídio em pessoas jovens, como o suicídio em adultos, é complexo, com múltiplos fatores dinâmicos e herdados interagindo para contribuir para cada caso. Os adolescentes são mais propensos ao imediatismo e à impulsividade, e ainda não possuem plena maturidade emocional; dessa forma encontram maior dificuldade para lidar com estresses agudos, que podem funcionar como desencadeantes de atos suicidas. Pensamentos suicidas podem ocorrer na adolescência, principalmente diante de um estressor importante, mas que, em geral, são passageiros e não indicam psicopatologia. Entretanto, quando esses pensamentos se tornam muito intensos e duradouros, o risco de levar a um comportamento suicida aumenta.

Diferenciar reações de um jovem que podem ser consideradas normais de sinais de alerta de que algo grave está por acontecer pode ser muito difícil. São alguns sinais que alertam quanto a provável existência de risco de suicídio: mudança marcante na personalidade ou nos hábitos, comportamento ansioso, agitado ou deprimido, piora no desempenho na escola ou outras atividades que costumava manter, afastamento de amigos e da família, perda de interesse em atividades que antes gostava, descuido com a aparência, perda ou ganho inusitado de peso, mudança no padrão de sono, comentários autodepreciativos persistentes, comentários negativos em relação ao futuro ou desesperança, disforia marcante (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva), comentários sobre morte, sobre pessoas que morreram ou interesse por essa temática, doação de pertences que valorizava, expressão clara ou velada de querer morrer ou de pôr fim à vida. Esses sinais podem ser inespecíficos, pois também costumam aparecer quando do surgimento de transtornos mentais graves (esquizofrenia, dependência química, depressão, bipolaridade).

Estima-se que até 90% dos jovens que cometem suicídio nos EUA tenham uma doença mental diagnosticável no momento de suas mortes; para muitos, a doença esteve presente por dois ou mais anos.

Fatores de risco importantes para comportamento suicida em adolescentes englobam separação dos pais, morte de um genitor, abuso físico ou sexual ou negligência, transtorno mental nos pais, comportamento suicida na família, bullying, exposição a casos de suicídio ou de tentativas de suicídio, dificuldades nas relações interpessoais, tentativa de suicídio prévia, transtorno mental diagnosticado, autoagressão deliberada, abuso de álcool ou outras drogas, impulsividade ou comportamento agressivo, baixa autoestima, perfeccionismo, desesperança, sentir-se um peso, pouca capacidade de solução de problemas sociais, para citar somente alguns.

Temos observado um aumento do comportamento automutilatório nessa faixa etária, que pode ser um sinal precoce do risco de suicídio.

O suicídio de parentes, de amigos ou de personalidades cultuadas parece fornecer, para adolescentes vulneráveis, um modelo de comportamento a ser seguido frente às adversidades. Nessa eventualidade, fala-se do caráter de contágio (ou de imitação) de certos suicídios. Websites, mídias sociais e salas de bate-papo que encorajam pactos suicidas também têm grande impacto sobre os adolescentes. Esses espaços virtuais, ao reverberarem o suicídio, reativam e alimentam várias fantasias e tradições arcaicas armazenadas em nossa mente, ligadas, por exemplo, à imortalidade, à morte gloriosa ou à vingança.

Um importante estudo de 2016 reúne dados de anos de pesquisa sobre suicídio e considera a impulsividade como fator de risco chave para a tentativa de suicídio (como também conhecimento e acesso a métodos letais), não só em jovens. Também considera que talvez a experiência de ter ideação suicida (cujos preditores principais são a depressão – entre outros transtornos mentais -, a dor emocional e a desesperança) não necessariamente evolua para tentativa de suicídio ou suicídio consumado. Automutilações estariam associados com ambos (ideação e tentativas de suicídio).

Sempre há que se considerar que a puberdade e adolescência implicam em elaboração de lutos próprios do período e que como em outras fases de nosso ciclo vital precisamos estar mais atentos. É um momento de entrada no mundo adulto. Há o luto pela perda da identidade e do corpo infantis, bem como dos pais da infância e da relação de dependência com os mesmos. Os ritos de passagem em todas as fases normais de nosso ciclo vital são cerimônias e rituais que ocorrem nos pontos de transição, onde há intensa mudança de uma condição a outra na vida de um indivíduo ou grupo social. Os ritos puberais podem assumir uma grande variedade de formas. Em sociedades tribais e orientais envolvem força e bravura para o menino e isolamento para as meninas. No início dos tempos, simbolizava a ligação do homem com a terra, saudando a sua importância para a sobrevivência. Assim, o jovem homem deveria correr grandes distâncias territoriais e mostrar suas habilidades, por exemplo. A criança é então introduzida no privilégio de ser adulto. Meninos e meninas voltam-se com mais vigor para a busca de laços afetivos extrafamiliares e a aceitação pelos seus pares e grupos. Tudo isso requer profunda reorganização intrapsíquica. Nessa tentativa de busca da consolidação de uma identidade adulta, poderá ocorrer a necessidade pelo jovem de identificação com um membro do grupo, o líder, que é sentido como tendo todos os atributos de força, potência, beleza ou inteligência.

Dito tudo isso, entro no ponto do Jogo da Baleia Azul. O Jogo da Baleia Azul pode ser o causador de mais de uma centena de suicídios na Rússia e alguns casos em outros países, inclusive no Brasil, e tem ligação com uma brincadeira macabra, uma espécie de gincana com tarefas a serem cumpridas ao longo de 50 dias. As missões seriam orientadas por um curador, que verificaria se os resultados alcançados pelos jogadores são satisfatórios, e apresentariam graus de dificuldade variados (criar inimizades, se automutilar), fazendo uma habituação à dor e ao sofrimento. O último desafio seria o de tirar a própria vida.  É um jogo muito perverso, porque parece utilizar conhecimentos de peculiaridades quanto a sensibilidade deste período de vida e dos púberes e adolescentes mais vulneráveis. Nessa fase os jovens estão em momento de mudanças intensas e esse jogo se utiliza desse período pervertendo a esperada necessidade de aprovação pelos pares ou pelo líder do grupo. Ainda se transveste de jogo e de ritual de passagem, mesclando justamente a transição da criança para a fase de púbere e adolescente, e alimenta a tolerância à dor e à impulsividade, elementos complicadores e relacionados ao suicídio.

Um grande professor, estudioso da suicidologia em nosso país, Dr. Roosevelt Cassorla, e autor do livro Do Suicídio: estudos brasileiros, nos diz, citando o filósofo Huizinga: “O adolescente tem volúpia pelas aventuras e pelos jogos, devido a um grande impulso de vida. Participar de um jogo pressupõe que cada jogador seja capaz de adotar os papéis de todos os demais.” Nas palavras do próprio Huizinga, no livro Homo Ludens: “A arena, as mesas de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de tênis, etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial. (…) Uma criança estendendo a mão para um brinquedo, uma garotinha jogando bola, todos eles procuram conseguir alguma coisa difícil, ganhar, acabar com a tensão. É este elemento de tensão e solução que domina em todos os jogos solitários de destreza e aplicação, como os quebra-cabeças, as charadas, os jogos de armar, as paciências, o tiro ao alvo, e quanto mais estiver presente o elemento competitivo mais apaixonante se torna o jogo.” É aí, do meu ponto de vista, que está a perversão deste jogo, que se utiliza de elementos dos jogos saudáveis, herdeiros das brincadeiras e auxiliares do crescimento, mas que traz sofrimento e morte.

Pais de crianças, púberes e adolescentes: fiquem mais próximos de seus filhos, observem, compreendam. Busquem avaliação com psiquiatra conforme aparecimento de quaisquer sinais acima citados ou dúvida.

Outros locais para informações e auxílio:

– Centro de Valorização da Vida

Oferece ajuda por telefone, chat, Skype, e-mail e presencialmente Telefone 141 (24 horas, para todo país)

– Sites com orientações :

  • setembroamarelo.org.br
  • abeps.org.br

 

Referências:

  1. Do Suicídio: estudos brasileiros. Roosevelt M. S. Cassorla. Papirus Editora. 1991.
  2. Manejo do Risco de Suicídio: Um Manual para Profissionais de Saúde. Stan Kutcher e Sonia Chehil. Med Line Editora. 2007.
  3. Crise Suicida: Avaliação e Manejo. Neury José Botega. Editora Artmed. 2015.
  4. O Ciclo da Vida Humana: Uma Perspectiva Psicodinâmica. Cláudio Laks Eizirik e org. Editora Artmed. 2007.
  5. Compêndio de Psiquiatria. Kaplan & Sadock. 11a Edição. Editora Artmed. 2017.
  6. Homo Ludens. Johan Huizinga. Editora Perspectiva. 2005.
  7. Suicide, Suicide Attempts and Suicidal Ideation. E. David Klonsky et al. Annu. Rev. Clin. Psychol. 2016. 12: 14.1-14.24.

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